Pular para o conteúdo principal

Review: Acquiring the Taste: Uma obra de arte do prog'

Por Eduardo Becker 20 de maio de 2025 9 min de leitura

Detalhes do Álbum

Artista: Gentle Giant

Álbum: Acquiring The Taste (1971)

Avaliação: (5.0/5)
Acquiring the Taste

Existe um equívoco considerável e frequente entre fãs de música e músicos em relação à popularidade mainstream de uma determinada sonoridade.

Não é incomum, em círculos de rock, presenciar entusiastas rotulando o grupo favorito de outrem como “excessivamente mainstream” ou “pop”. Um fã de Thrash Metal, cuja banda predileta é Megadeth, frequentemente ouve que a banda se tornou demasiado comercial e alinhada ao mainstream, e que ele deveria, em vez disso, apreciar uma banda de garagem formada por três adolescentes anônimos, em algum lugar remoto, da qual ninguém jamais ouviu falar.

O erro reside fundamentalmente na correlação direta entre a ausência de reconhecimento mainstream e a qualidade intrínseca da obra. Mas poder-se-ia indagar: se uma banda é musicalmente superior e mais talentosa que muitas outras que alcançam o sucesso massivo, como é possível que tal banda permaneça na obscuridade? Essa é, de fato, uma excelente pergunta – uma que muitos parecem não formular ao fazerem essa associação. A resposta é que o reconhecimento mainstream não é primordialmente uma questão de qualidade, mas sim do que ressoa com o público em determinado período e da acessibilidade da música às “massas”. O fator determinante é se milhões de pessoas estão dispostas a ouvir e repetir sua música centenas de vezes.

Se o critério fosse unicamente o refinamento musical e o virtuosismo, este artigo analisará uma das bandas com uma das sonoridades mais sofisticadas e intrincadas do Rock: o álbum Acquiring the Taste (1971), do Gentle Giant, um trabalho e uma banda que permanecem relativamente obscuros mesmo dentro de seu próprio gênero – um gênero que, por si só, nunca buscou o apelo massivo.

Muitos entusiastas de Rock (mesmo os de longa data) não estão familiarizados com o gênero Rock Progressivo (também conhecido como prog rock ou simplesmente prog). Seu grande diferencial reside na ênfase na exploração artística e experimental, frequentemente incorporando elementos de uma miríade de gêneros, como jazz, fusion, música clássica e, no caso do Gentle Giant, até mesmo música medieval. A complexidade e o virtuosismo, tanto cultural quanto musical, são precisamente os pilares que definem o gênero e, simultaneamente, o que o distancia do grande público. Frequentemente, o rock progressivo utiliza compassos não convencionais – como 7/4, 6/8, 5/4, entre outros – além de fazer emprego profuso de artifícios técnicos elaborados, como polirritmia, sincopação e mudanças abruptas de compasso.

O gênero também é conhecido por transcender a estrutura instrumental tradicional do Rock – que geralmente envolve guitarra (frequentemente o instrumento “líder”), baixo e bateria (e, por vezes, sintetizadores). O Rock Progressivo utiliza a formação clássica do Rock, porém a expande a patamares notáveis, incorporando instrumentos como flautas, trompetes, trombones, tubas, xilofones, vibrafones e até mesmo o teremim. Exemplos de bandas progressivas populares incluem The Beatles (especialmente em sua fase experimental, com o álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band), Pink Floyd, The Beach Boys (com o lendário solo de teremim em “Good Vibrations”) e Yes (com a célebre faixa “Roundabout”, cuja introdução se tornou um meme internacional após ser utilizada na vinheta “To Be Continued” do anime JoJo’s Bizarre Adventure).

Contudo, poucos fãs de prog rock reconheceriam a banda Gentle Giant, um grupo britânico ativo durante a década de 70 até o início dos anos 80. Sua sonoridade era sofisticada e intrincada a ponto de ser, por vezes, intimidante. Acquiring The Taste é o segundo álbum da banda, cujo título, por si só, já alude à complexa natureza musical do grupo, uma vez que “acquired taste” é uma expressão da língua inglesa que descreve algo que se aprende a apreciar mediante exposição e persistência, mesmo que inicialmente não agrade (como cerveja ou café para muitas pessoas).

Como a própria banda descreveu seu estilo e objetivo no encarte do álbum:

“Nosso objetivo é expandir as fronteiras da música popular contemporânea, mesmo correndo o risco de nos tornarmos muito impopulares. Gravamos cada composição com um único pensamento: que ela fosse única, audaciosa e fascinante. Para tanto, foi preciso empregar toda a nossa bagagem de conhecimento musical e técnico. Desde o início, abandonamos qualquer ideia preconcebida de comercialismo explícito. Em vez disso, esperamos oferecer-lhes algo muito mais substancial e gratificante. Tudo o que precisam fazer é relaxar e apurar o paladar.”

Análise das Faixas do Álbum

O álbum inicia-se com a faixa “Pantagruel’s Nativity”, cujo título remete ao conto satírico Gargântua e Pantagruel, do escritor francês François Rabelais – um dos primeiros indícios da predileção da banda por narrativas renascentistas e fantasia medieval, temática posteriormente aprofundada em álbuns como Octopus e The Power and the Glory).

A faixa principia com um sintetizador de timbres sombrios, evocando atmosferas de ficção científica. Em seguida, emerge um vocal calmo e etéreo, sustentado por arranjos de violinos, trompetes e flautas, construindo uma melodia de matiz folk. Esta é breve e repetidamente interrompida por riffs contidos de guitarra e uma percussão precisa. Na seção B da faixa, a guitarra assume o protagonismo melódico com um riff simultaneamente agressivo e melódico, embora comedido, complementado por um coro pungente e de inflexões operísticas. De forma abrupta, essa progressão é interceptada por intervenções de vibrafone com harmonias jazzísticas, rapidamente seguido por um solo de guitarra incisivo. Ao término da atmosfera densa da seção B, retorna-se à ambientação folk da seção A.

A próxima faixa do álbum é “Edge Of Twilight”, uma peça psicodélica com claras influências jazzísticas. Ao ouvi-la com fones de ouvido, tive a sensação de estar em uma queda infinita por um buraco negro, enquanto o universo ao redor se contorcia em formas surreais.

A faixa apresenta diversos aspectos notáveis, incluindo um solo de tímpanos (instrumento de presença rara no rock, mais comumente associado a bandas como Kansas e Jethro Tull). Embora talvez não seja a mais imediatamente memorável do álbum, configura uma experiência auditiva que todo músico deveria vivenciar.

A faixa subsequente, “The House, The Street, The Room”, é simplesmente arrebatadora; faltam-me superlativos para descrevê-la, e certamente figura entre as minhas prediletas do álbum.

A melodia se ergue qual corcel indômito, transmutando-se do hard rock incandescente à delicadeza camerística do folk, para, de forma quase imperceptível, retornar à voragem roqueira. Qualquer ortodoxia harmônica é desprezada, com o grupo permutando com desenvoltura entre modos maiores e menores. Se os Beatles tivessem enveredado por um caminho de complexidade ainda maior, arrisco dizer que sua produção sonora poderia tangenciar essa estética. Segue-se um solo de guitarra incisivo e desinibido, amparado por teclados de pungente angústia, para então desaguar novamente no refrão; a peça musical conclui com ímpeto notável. O primeiro lado do disco culmina com a faixa-título, “Acquiring the Taste”, uma concisa peça instrumental de preponderância sintética que arremata com primor a metade inaugural do álbum.

O segundo lado do álbum inicia-se com vigor. “The Wreck” apresenta uma estrutura musical que sugere uma narrativa incisiva; talvez por essa natureza mais direta ou de apelo temático, poderia, hipoteticamente, despertar maior interesse em um público amplo do que as explorações mais herméticas do primeiro lado. Musicalmente, esta faixa, em contraste com grande parte da obra, parece seguir uma progressão mais linear e direta, como uma tese bem definida. Essa aparente linearidade, no entanto, é subvertida por desvios e interlúdios que evocam uma atmosfera quase mística, desafiando qualquer expectativa de simplicidade.

“The Moon Is Down” surge em seguida. A faixa principia de maneira etérea e minimalista, em nítido contraste com a densidade precedente. A música parece divagar entre temas centrais e variações mais sutis, com uma intensidade contida e progressiva. A tessitura musical revela-se, aqui, sobremaneira intrincada e, por vezes, de apreensão mais desafiadora, como é de se esperar da banda. Embora esta peça de caráter atmosférico e onírico possa não cativar de imediato um ouvinte menos familiarizado com tais complexidades, ela atesta a maestria composicional do Gentle Giant; a forma como conduzem as transições e desenvolvem os temas é digna de nota.

A penúltima faixa, “Black Cat”, ostenta um engenhoso leitmotiv que se desenvolve de maneira expressiva e um tanto paradoxal. Há uma interação instrumental que sugere um diálogo complexo, permitindo que as nuances da composição se destaquem. Segue-se uma seção que, à primeira audição, pode parecer caótica ou desconexa, mas que, em uma análise mais atenta, revela uma espantosa complexidade ornamental em seu desenvolvimento instrumental.

Finalmente, o epílogo do álbum: “Plain Truth”. Esta faixa parece trazer uma sonoridade mais direta e assertiva, embora com momentos que remetem a uma certa austeridade e reflexão. A banda demonstra novamente seu talento para construir temas que tomam rumos inesperados, tornando a audição memorável. Grande parte da faixa desenvolve-se com uma lógica instrumental rigorosa, quase como uma argumentação musical, que funde influências medievais e renascentistas com a idiossincrasia característica do Gentle Giant, evitando clichês. Por vezes, a música retorna a um tema central vigoroso, como que afirmando uma verdade fundamental, sugerida na própria letra ou no sentimento da canção, que poderia ser interpretada como: a beleza reside na complexidade despojada de artifícios desnecessários, na pura essência sonora.

Conclusão

Acquiring the Taste não é meramente um álbum; é uma declaração artística, um desafio aos ouvidos menos aventureiros e uma recompensa imensurável para aqueles que se dispõem a “apurar o paladar”.

A forma como o Gentle Giant funde erudição musical com a visceralidade do rock, explorando paisagens sonoras que transitam entre o medievalismo, o jazz e a vanguarda, é simplesmente magistral. Cada audição revela novas camadas, novos detalhes instrumentais e novas nuances temáticas, solidificando seu lugar como uma obra singular e atemporal. É um testemunho da audácia criativa e da busca incessante pela originalidade, um antídoto contra a homogeneidade musical. Pela sua profundidade, complexidade instigante e a pura beleza encontrada em suas passagens mais inesperadas, este álbum recebe, sem hesitação, uma nota 5 de 5. É uma obra que continua a fascinar e a inspirar, recomendada a todos que buscam algo para além do convencional.

Tópicos Relacionados

#musica#review#prog#rock

Discussão e Avaliações

Carregando avaliações...

Comentários (0)

Faça login ou crie uma conta para comentar.

Carregando comentários...